Duas mortes de grande repercussão na mídia, no entanto tiveram desfechos diferentes; enquanto uma continua a comover por seus tons sombrios, a outra se transformou em piada. A primeira foi o assassinato da menina Nardoni que o Brasil ainda chora, a segundo foi a morte de uma padre católico pendurado em balões de festa ao sabor de ciclônicos ventos extratropicais, evento esse transformado em chacota nacional.
O que levou a morte do eclesiástico virar lenda e a provocar risos?
O inconsciente coletivo explica: um padre católico pendurado embaixo de dezenas de balões coloridos sendo arrastado inexoravelmente para o mar provoca uma ambigüidade de sentimentos devido ao insólito da cena o lado trágico suplantado pelo caráter tosco da imagem repetida à exaustão na TV – o padre subindo ao céu, não em razão da sua virtude, mas em virtude da sua desrazão.
As pessoas se sentem alegres quando a sua teoria sobre vôo se confirma: elas gostam quando as suas mães têm razão com relação aos esportes radicais e voar é a principal delas. Logo, alguém que se estrepe voando, prova para todos que o bom senso triunfou novamente e tudo foi recolocado no seu devido lugar.
O padre viciado em alturas comprovou que voar pode ser um péssimo negócio, sendo o testemunho eloqüente e justificador pelo qual as pessoas podem se sentir felizes por terem permanecido levando as suas pacatas vidinhas na planície. Seu corpo ainda não foi encontrado e talvez nunca seja, devido aos tubarões habitantes das nossas costas especializados em carne santa desde o descobrimento do Brasil, quando aqui naufragou o Bispo Sardinha e foi rapidamente devorado por peixes e índios.
A nossa antropofagia é isso, devoramos os nossos heróis ao transformá-los em tolos pendurados em balões de festa. A famosa foto do padre em sua infantil e fantástica máquina voadora corre o mundo em montagens e vídeos irreverentes, provando que compreendemos os nossos mártires somente quando eles se ferram, legando a certeza de que a vida na superfície ainda é o melhor elixir para o prolongamento da vida dos covardes vivos.
Texto original
Autor: Isaias Malta